segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

OS POETAS VINGATIVOS (um conto de ficção)


Este texto não foi revisto...tem uma série de erros...que ainda não tive coragem de o melhorar....admiro a imperfeição....




OS POETAS VINGATIVOS

(um conto que é um tributo 
aos melhores poetas
portugueses)



Policarpo cometeu um erro, para muitos um inevitável equívoco. 
Há poesia em todas as pessoas que esperam qualquer coisa de inesperado da vida ordinária que levam pela vida fora, sem grandes entusiasmos ou ambições.
O suposto erro de policarpo terá consequências trágicas, dignas de sófocles.
Tudo isso se deve, como é hábito, a uma má interpretação dos acontecimentos e às aparências, estas continuam a parecer o que na maioria das vezes, não são.
O que me leva a pensar e consequentemente concluir que ninguém está com muita disposição de realmente ouvir o que  os outros querem dizer, ou mesmo de lhes dar um benefício do engano e da percepitação. 
A maioria nem sequer coloca a hipotese de fazer uma interpretação adequada do que o outro disse.

Com policarpo ocorreu isso mesmo, uma sina do destino. 
A terra é uma aldeia pequena ? não me parece, é mais uma avenida, no entanto nem todos entendem esse alcance.

Os bastardos estão sempre em íntimo contacto de informações e partilham em segredo infamias  e obscenas criminalidades.  A maldade corre muito, tem a velocidade invísivel do vento.
A preparação da vingança aguça o apetite dos vorazes bastardos àvidos de sangue a escorrer nos dedos e apreciam sangue quente, é estética de bastardo ter sangue acondicionado nas unhas grandes.
Sempre acreditei que os bastardos não cortam as unhas. 

Policarpo entendeu isso muito bem. Ontem, precisamente cerca das 22 horas e 37 minutos, na rua eduardo dos reis. embora para a maioria, esta informação da hora exacta ao segundo e da localização ser desnecessária, para policarpo esta tem uma enorme utilidade, fútil, mas, utilil para o seu espírito corrosivo no que concerne os pormenores da vida.

Policarpo ia pela rua eduardo dos reis, apesar de inútil, insisto nesta precisão geográfica, este entrou num alfarrabista com cheiro a "erva mezclada com tabaco aromático tunisiano, neste caso o sabor era de maça.
Quem enalava o rolo de mortalha era um velho de uns talvez, oitenta anos, na verdade se tiver setenta anos, não interessa para esta história. O velho está conservado pela droga "snifada" diariamente, os salteados e escassos cabelo brancos, já se tinham modificado numa tonalidade nitidamente cinza, sinal claro que a morte está a chamar, em tom calmo e de cantilena triste.

Ainda há os inocentes na vida, que pensam que não há velhos "agarrados", mas, de facto há. E um deste raros "junkies" está de frente ao policarpo.
Relembrem o maior "junkie" americano, o senhor, william burroughs, vejam a foto dele e verifiquem se não é igual ao vosso avó, ou igual aos velhotes que estão nos bancos do jardim, todos os dias, a partir das 2 da tarde, é mesmo igual..Não vos aconselho nem lere, naked lunch, nem saber de outras coisas sobre este "junkie", vejam-lhe o rosto, chega !

retomando o nosso factidíco episódio.

Policarpo ao entrar no local, reparou que dois homens levantaram os olhos dos respectivos livros que liam e enviaram em sincronia o tal olhar fluminante em linha recta contra a estranha figura de "tentativa de escritor" que é policarpo.

Este sentiu o olhar fluminante com um certo impacto, físico, policarpo recuou nesse momento, sentiu o seu corpo a recuar, mesmo que por instantes e mesmo que por mero 14 milimetros de chão de moisaco secular e gasto pelo andar de solas duras e burguesas de maneirentos poetas e marialvas, outras gentes já mortas, enterradas e esquecidas, mas, foram eles que gastaram este azulejo.

….FILHO DE UMA GRANDE PUTA, ANDA CÁ QUE TE PARTO ESSE FOCINHO FEIO E MAGRO, QUE TENS PENDURADO SOBRE ESSE PESCOÇO…..

gritaram os dois clientes do ALFABARRABISTA ÁGUIA DE OURO, ao mesmo tempo…

Policarpo, em meia fracção de tempo, nem pensou, o cérebro é sempre mais lento que o instinto tem quando se aproxima o medo, este faz mexer com rapidez o indivíduo.

Este desatou a correr pela rua fora, numa velocidade espantosa para alguém tão feio e ainda por cima uma "tentativa de escritor", o que lhe reduz sempre a condição de atleta preparado para a corrida em fuga.
Logo atrás dele, também lançados numa velocidade interessante, iam a bracejar e aos gritos, os dois homens de aparente meia idade…

…AGARREM -ME esse Filho da Puta…. (num estranho e tenho que dizer, estúpido apelo) os dois perseguidores  apelam aos  anónimos traseuntes , que certamente ninguém 
se iria prestar a esse auxílio de agarrar um suposto filho da puta, feio, magro, perseguido por dois homens
de meia idade, gordos e com aparente estética de escritores…. a barba grisalha é o ponto a fixa, ou seja nada ajuda os perseguidores a serem ajudados.

Bom, mas, dizia eu, enquanto pediam, agarrem esse filho da puta, policarpo continuava a correr sem notar que a estes dois se juntaram mais um velho, também de barba grisalha de aparente jeito de escritor. e também este gritava com afinco e desatino raivoso, que lhe saltava em "baba com bolinhas" nos cantos da boca rodeada por abundante penugem grisalha…

É HOJE QUE ME VINGO DESSE PANELEIRO DE UM CABRÃO, DIFAMADOR DE POETAS….MATO-TE….

os outros dois ajudaram no coro… VAMOS TE MATAR COM TANTA PORRADA FILHO DA PUTA, VAIS FICAR NEGRO…

quanto a mim, e a uma senhora que vendia castanhas assadas na rua, perto do largo do camões, este último apelo, tinha um certo carácter racista, ficar negro, ou seja preto, porque não cinzento escuro, ou castanho marron ???
a senhora das castanhas não gostou desse rascismo….

continuando a andar, ora de frente, ora andando para o lado.

A questão óbvia, que para além desta correria, inserida nesta perseguição entre o bairro alto e o bairro da bica, em lisboa, era; será que estes dois perseguidores conheciam a mãe de policarpo ?

Admitimos que sim, ouvindo a convicção com que chamavam pela mãe de policarpo, ela era ou tinha sido uma puta ?  vou presumir, juntamente com as pessoas que ouviam os velhos aos gritos, que sim.  
Se 3 homens lhe gritam filho da puta, era porque conheciam obviamente a mãe dele….

adiante..

Um dos homens, rebolava mais do que corria, ficava mais para trás, os outros dois iam mais a frente, a distância entre os perseguidores e policarpo era de cerca de 80 metro.
Boa distância, dirão muitos, para evitar um banho de sangue e saplicar assim o asfalto de sangue, cor que ovbiamente destoava num manto preto. Ficaria feio, muito feio, acrescento eu.

Policarpo continuava a correr sem olhar para trás, na esperança de aumentar a distância, este parecia ter um laterais espelhos retrovisores, pois que quando corria e mudava de passeio, ou simplesmente atravessava uma estrada, inclinava suavemente a cabeça, ora para a esquerda ora para a diteita, sinal evidente e certo que tinha retrovisores.

ANDA CÁ CABRÃO, NÃO FUJAS, VAMOS TE PARTIR ESSA BOCA TODA ANTI POETA NOJENTO DE MERDA.
mais uma estranha forma de depreciar alguém, nojento e merda, não será o mesmo ? há merda que não seja nojenta ? o que é pior ser merda ou nojento ? redutor.

Neste diferendo entre coisas nojentas e merdas, eu não me meto, assim como em religiões, nem sou conhecedor de merdas, nem aceito as catalogar.

mais uma vez, vou adiante.

Entre o drible de um poste verde escuro de ferro à esquerda, na rua mal calcetada, e um caixote redondo cor de laranja à direita perto de uma porta, e dois 
pedaços de merda estacionados e a boiar entre uma poça de água suja, junto a um buraco, policarpo conseguiu evitar o choque frontal com o tal poste de ferro, evitou partir a cara, este era um tipo esguio.

Durante a fuga duas coisas não lhe saiam da cabeça naqueles instantes esforçados de forte bater do coração, a primeira era; os homens diziam-lhe ….anda cá ? será que tinham mesma a esperança de ele parar ? (coisa estranha e absurda, que incomodava a sensatez de policarpo) e a segunda coisa que lhe ocupava o espírito, era de lhe dizerem não fujas ? estranho ! alguém persegue-nos aos gritos com ameaças ferozes e ordinárias, e pedem-me para não fugir ? se ao menos pedissem com educação, ainda pensava melhor sobre o assunto.

Policarpo ainda ponderava uma maneira de aceitar o pedido deles, se fosse nos seguintes termos……. SENHOR, POR FAVOR, NÃO FUJA, QUER FAZER O FAVOR DE SE AUTOMOBILIZAR, SÓ LHE QUEREMOS RODEA-LO E APLICAR CONSEQUENTEMENTE UNS CORRECTIVOS FÍSICOS, DE PUNHOS CERRADOS CONTRA A SUA FACE E TALVEZ TAMBÉM DE CONTRA OS SEUS OLHOS FEIOS E ESBUGALHADOS...

Mas, policarpo sabia que essa não era a realidade, por isso estranhava os seus pedidos…

Policarpo Continuava a escutar os gritos deles…..MALDITO ANTI POETA VAMOS TE APANHAR E PARTIR OS DENTES TODOS DA BOCA E MATAR
TE EM ASFIXIA LENTA E COREOGRAFADA ENTRE OS BRAÇOS, TIPO UMA GRAVATA COM LAÇO DE CORDA MARÍTIMA PARA ENFORCAMENTO…..

Policarpo teve uma epifánia inútil, não ia parar de fugir, nem aceitava o pedido deles, para esperar por eles, não tinham modos nem educação.

Outro pormenor saltou na cabeça de policarpo .

Anti poeta ???? quem eu ? é mesmo para mim ?
neste instante, desviou-se por milímetro de um ferro enferrujado de uma varanda desgraçada…..retomou o pensamento e a linha de corrida…

Eu anti poeta ?  chiça, mas, eu sou lá anti poeta , nem sem sei o que é ser anti poeta, são pessoas que não gostam de poesia, ou será que queimam livros de poetas ? ou será que são homicidas de poetas ? enfim, não conseguia identificar com clareza o que seria um anti-poeta.
Eu tento ser um poeta e escritor há mais de 20 anos, e estes cabrões…. neste instante policarpo arrependeu-se,
e pediu desculpa, cabrões não, estes senhores desatinados, dizem aos gritos que eu sou um anti poeta ou alguém que não gosta de poesia ?
está errado. eu gosto de poesia, gosto de poetas mortos, até considero que um bom livro de poesia arde com mais vigor e com mais densidade de temperatura quente do que se for um livro de ficção científica.
Eu gosto mesmo de poesia, sou um apaixonado pelas palavras e fico seduzido pela sequência das palavras e a intenção que elas criam quando estão juntas e ordenadas em supostas frases com revelações extraordinarias.

Policarpo, parou de súbito, os sapatos aderiram de tal maneira ao asfalto, que ele quase tombava da parte da cintura até ao pescoço feio que ostentava e que o deixava envergonhado, na verdade depois da travagem ele ficou vertical, ofegante, mas, direito.

Olhou para trás e não viu os seus perseguidores ou os caçadores de "tentativas de escritores"… foi esta última a explicação que policarpo providenciou para esta situação que estava metido, sem querer, ou sem entender.

A porta verde em ferro de um velho prédio estava aberta, o seu átrio estava escuro de tão preto, assustador.
Mas policarpo entrou, parou e encostou a porta, ficou por instantes diluído no escuro que o inseria como mais um elemento daquele local inexistente, apenas a luz torna os locais em realidade, policarpo adoptou a cor preta de estar naquele átrio de um qualquer miserável prédio.

Ele sentiu-se profundamente injustiçado, e no caso dele a dimensão da indignação era consideravelmente funda.  Estava a sentir raiva por estar a ser vítima de um ultrajante engano e de má interpretação dos factos, quanto a esta matéria, recomendo lerem como começou esta narrativa, onde já falamos destas coisas da interpretação….

No circuito da sua intimidade, policarpo pensava, mas, eu não sou anti poeta,  isto é um grande mal entendido, mas, porquê e por quem ? estas eram as perguntas que ecoavam na cabeça de policarpo, vazia devido ao medo que sentia, não da concretização da porrada que lhe prometiam, porque com aqueles velhos até lhes desancava naqueles cornos até os estilhaçar, tinha medo das razões secretas e da organização bastada que estaria a organizar esta teia.

No hall do prédio ecoava o silêncio e reinava a apatia que as coisas velhas imobilizam ao ritmo da vida.

a convergência de pensamentos entre policarpo e a sua consciência estilhaçou este diálogo mascarado de monologo aos olhos dos outros.
porque para nós, é certo, nós conversamos comnosco, para os outros é que acham que é bizarro…estúpidos, é o que são.
Na cabeça de policarpo o motor que faz girar o disco rígido da cabeça de policarpo encravou, o coração ficou suspenso e gélido….

A banda sonora que policarpo estava a ouvir, era a estranha obra bizarra de de stockhausen, de seu nome stimmung, onde mais de 50 faixas, composto na maioria por mantras, pretendiam evocar divindades de todos os cantos do céu….


O motivo deste intervalo na cabeça de policarpo, devia-se ao facto de os 3 perseguidores terem todos parado  frente à porta, aparentemente para descansarem.

Um deles chamou o outro..

Ó RAMOS ROSA pá PORQUE É QUE tu VIESTE pá ? já TÁS JÁ VELHO PARA ESTAS PERSEGUIÇÕES…

a insistência de pás é que era desnecessário.

Retorquiu o velhote, de nome, Ramos Rosa, o mais ancião do bando de vis perseguidores.

FODA-SE HEBERTO, ACHAS QUE EU PERMITIA NÃO PERSEGUIR UM FILHO DA PUTA DE UM ANT I-POETA

os velhos adoram uma boa asneira para se manterem jovens no único sitio possível, a língua.

SEI QUE NÃO Ó RAMOS, ÉS UM POETA DOS BONS, NÃO PERDOAS ESTES GAJOS…

E TÚ HERBERTO, PORQUE SAISTE DO TEU ISOLAMENTO E DA TUAS SOMBRA DE POETA MISTERIOSO E ESTÁS A PERSEGUIR UM GAJO DESTA LAIA…NUNCA SAIS DA TOCA PÁ….

A escassos 80 cm no escuro, policarpo, pensava para si, gajo desta laia ? qual laia ? será que sou eu o gajo da tal laia ? mas, o que quer dizer laia ? um deles é poeta ? aliás são os dois poetas, será que eu ouvi bem o nome deles ?

ramos rosa e herberto hélder , policarpo não conseguia acreditar, provavelmente porque o medo e a escuridão inibem sempre um bom pensamento a processar.

A estranha música de stockhausen continuava a brindar os ouvidos de policarpo…

Ele ficou com aqueles nomes à entrada do cérebro, antes de virar para o cruzamento dos lóbulos.

O terceiro perseguidor envolveu-se na conversa. 

EU TAMBÉM QUERO PARTIR A BOCA A ESSE FILHA DA PUTA, TÚ HERBERTO HELDER, PONTAPEIAS A CABEÇA TU ANTONIO RAMOS ROSA, DAS-LHES MURROS NOS COLHÕES DESSE MISERÁVEL….
E EU CARALHO, VOU DAR-LHE UMA GRAVATA NAQUELA GARGANTA ATÉ O ASFIXIAR…

O vernáculo deste grupo de velhos era do pior, indicação que estavamos no bairros históricos e a desabar.

Herberto, respondeu ao terceiro elemento dos barbados da terceira idade convém frisar que barbado, é talvez um neologismo, não se pretende fazer alegação à conhecida ilha de barbados nas caraíbas, queremos nos referir a um conjunto de três pessoas com barba, serão os barbados.

Continuava o fértil diálogo.

Ó MÁRIO CESARINY, TÚ ÉS MESMO FODIDO, Ó MEU  SURREALISTA DO CARAÇAS, QUERES LOGO TER O PRAZER DE FAZER POESIA COM A MORTE DESTE CABRÃO, QUERES O ABRAÇAR, COMO SE FOSSE CONFORTO E DEPOIS APLICAR O CONCEPTUALISMO DA MORTE SUAVE E EM ASFIXIA.. há gostos para tudos e para todos, penso eu.

AHHHHHHHHHH
EHHHHHHH
IIIIIHHHHHHHHHHHHHH
ARRRRRGGGHHHHHHHH

Estas palavras alinhadas pretendem dar a entender a enorme algazarra de alegria e deboche, do gang dos barbados, riam-se maravilhados desta divisão de tarefas para uma morte anunciada por asfixia de um suposto anti poeta…
De seguida sairam todos a correr de novo pela rua abaixo ou acima, não importava por onde iam, os três só queriam
perseguir o infiel, sem grande sentido de perseguição planificada e organizada. 
Amadores, é isso que no fundo são.

Policarpo mentalmente parou o stimmung de stockhausen e todos aqueles mantras e começou a analisar os factos.

Foi rápido.

Estou a ser perseguido por três poetas ? incrédulo ainda se interrogou, eu escutei o nome deles ? são o herberto helder ? é mesmo ele ? questionou-se com um misto de espanto e admiração por tal poeta, e o outro, é mesmo o antónio ramos rosa ? nem ele sabe como eu sou seu grande fã, já me cruzei com ele na feira do livro de lisboa, momento emocionante.
O terceiro será o mítico mário cesariny ? outro grande poeta.
Será mesmo possível ? e mesmo o grande herberto, que nunca ninguém o o vê, ele saiu por mim ?

Quanto ao cesariny ainda lhe reconheço gosto pelo sangue, a sua obra revela o gosto, "o cadáver esquisito"

O embrulhar de sentidos, de analises, de acções, eram uma constante nestes momentos na cabeça do coitado do policarpo. Estranhamente ele estava feliz. 
Ele era e continuava a ser  um incondicional fã de três dos melhores poetas portuguesas de sempre, era um momento incrível para uma pessoa que era uma "tentativa de escritor".  De relançe ainda pensou, os autógrafos ? não lhes peço que isso é para os miseráveis e leigos, só quero falar com eles sobre o que está por debaixo da epiderme das coisas, quero os ouvir.  
Espera, de novo poilicarpo estava em rico diálogo com ele próprio, desta era a voz da consciência, eles querem me matar, eles não sabem sequer que me chamo policarpo,
eles não sabem que sou uma "tentativa de escritor" há mais de 20 anos, eles nada sabem sobre nada que me rodeia.

Eles querem me matar, ainda tem dúvidas se será por asfixia ou pauladas até à inconsciência, e ainda ofenderam a minha mãe, lançaram calúnias para todos ouvirem, não posso mais passar por estas ruas durante o resto da minha vida, e como se isso já não fosse mau, ainda me acusam de não gostar de poesia e de pertencer algum movimento de morte aos poetas e á poesia.

Da análise, policarpo enfureceu-se...

FILHOS DE UMA GRANDE PUTA…. deixou policarpo ouvir-se em voz alta, com isto irrompeu no  negro do átrio do velho prédio, que serviu de refúgio,  o  natural eco do espaço prolongou-se em ambiente dramático, puuuuuuuuutaaaaaaaa….. devia ter subido até ao quarto andar de certeza.

O que faço, pensou policarpo, enfrento-os ? fujo ou fico ?
eu não tenho medo do sangue, a não ser quando recuso fazer trocas de oscilantes entra e sai de vulvas alheias de certas mulheres, feias de preferência, sou um freak ou um greeck ?
Num pensamento decidido, disse para si, vou atrás deles e com uma caneta preta na mão, de tinta azul, vou-lhes dar tantas até eles ficarem inconscientes no chão, quase mortos.
No seu animado diálogo interior, voltou a confrontar-se, 
mas, não há o estado de quase morte, ou morrem ou vivem !

Mas, se os mato, nunca mais fazem poesia, isso é muito mau, é inaceitável, eles eles são importantes para a vida de quem gosta mais da vida do que apenas do que come, dorme e fornica.

De novo confirmou de si para si.
É isso mesmo, vou ter com eles e falar de poesia, e assim, resolvemos tudo entre os três poetas e eu uma "tentativa de poeta escritor".

Desatou a correr pela rua inclinada para a esquerda, o que lhe trazia muito desconforto nas pernas, a juntar ao esforço da corrida ainda tinha que se esforçar a inclinar para a direita, para manter o equílibrio.

Nem este facto bizarro do espaço urbano o fez parar, rua inclinada à esquerda ? noutra ocasião policarpo teria 
chegado a outras conclusões e colocado várias reflexões para este facto, mas, neste momento não havia tempo.

Policarpo pretendia alcançar o trio de poetas, e esta utilização precisa no vocabulário fazia toda a diferença, ele queria alcança-los é muito diferente de os querer caçar, isto  tem muito a ver com a maldade com que nos dispomos a fazer certas tarefas… mais que a forma, interessa definir bem o conteúdo.

Ao virar mais uma das 132 esquinas que policarpo já tinha torneado esta noite, ele viu o grupo de perseguidores ou de ex-perseguidores, travou de imediato a fundo, com uma eficácia estranha para quem não tem desenvolvido nos membros inferiores, nenhum sistema aperfeiçoado
de travagem imediata do corpo em velocidade.

Ao parar, cedeu a si um compasso de tempo para  recuperar por instantes o folego, e acentuou bem a dicção,  ergueu a cabeça com a confiança adequada e soltou o verbo em projecção, CHEGUEI !

Na rua em silêncio, o tom de voz colocada de policarpo foi o suficiente para assustar o grupo de três poetas vingativos, num momento digno de cinema, a escuridão irrompida com meias luzes dos candeeiros públicos, 3 pessoas de um lado da rua, outro sozinho, do lado oposto, o grito a preencher o vazio do silêncio da noite, puro cinema….

Os três olharam para trás e ficaram surpresos…

OLHA O FILHO DA PUTA DO ANTI POETA ESTÁ ALI…..TÁS FODIDO CABRÃOZITO DE MERDA…
anunciou ao resto do grupo para manter os níveis de ódio em alta, um dos elementos dos "caçadores, actualmente caçados".

Policarpo, zangado, retorquiu com verocidade de cor vermelha, Ó SENHOR HERBERTO, CABRÃOZITO É QUE NÃO, NÃO ME OFENDA POR FAVOR, PELO MENOS CABRÃO, APENAS ISSO, E JÁ É DIFÍCIL ACEITAR ISSO, AGORA REDUZIR ESSA CONDIÇÃO  A UM MISERÁVEL …."ÃOZITO"….ISSO NÃO PORRA !

Ramos Rosa, reagiu à consideração de policarpo, estava recuado em relação aos outros dois, estavam mais inclinados sobre a direcção de policarpo.

OLHEM PARA O REQUINTE DO CABRÃZITO…

Policarpo, desta vez zangou-se a sério, Ó VELHO DO CARALHO JÁ TE DISSE QUE CABRÃOZITO É QUE NÃO…. NÃO VOS VOLTO A AVISAR…
PARTO-VOS ESSAS BOCAS TODAS AO PONTAPÉ...

o grupo de tão animada dialéctica estavam ambos a cerca de 2 metros uns dos outros…

Herberto, segurava numa das mãos, um guarda chuva estragado com os arames afiados em tom bélico e agressivo, Ramos Rosa pegou numa garrafa vazia de vinho tinto, era um tapada de coelheiros,  policarpo conseguiu ler o rótulo da garrafa tomada como arma, já cesariny tinha um extintor vermelho, e segurava-o já numa posição pronta a desferir o primeiro golpe ascendente, sentido descendente.
Já policarpo, olhou-os e disse, É PORRADA QUE VOCÊS QUEREM POETAS VELHOS, PEDAÇOS DE MERDA
e sacou do bolso do casaco uma caneta mont banc com bico em aparo, o que faz a distinção e a diferença num ambiente destes, de grande hostilidade e sensibilidade.

Aquele pormenor não deixou de interferir com o espírito de Ramos Rosa,  O QUÉ AQUILO, VOCÊS VIRAM PÁ

respondeu Herberto
SIM, Ó RAMOS, VI PÁ, É UMA CANETA PRETA DE APARO…

FODA-SE…disse Cesariny, Ó CABRA…..fez uma pausa engasgada e retomou….O FILHO DA PUTA, SACOU
DE UMA MONTBLANC…. QUE SENTIDO PÓETICO E DISTINTO ESTE GAJO TEVE

Herberto ainda acrescentou, num misto de surpresa e de tom perplexo...SE AINDA FOSSE APENAS UMA CANETA….

MASM, EU DOU-LHE NA MESMA CARALHO, acrescentou cheio de raiva, Cesariny e avançou para policarpo, que tomou uma atitude defensiva, pé atrás, caneta na mão direita e mão esquerda baixa….

este ao avanço do poeta Mário, erguendo o extintor vermelho, desviou-se subitamente para o lado, deixando o outro tropeçar, caiu desamparado. 
Herberto gritou-lhe em tom de incentivo VAI TE A ELE SURREALISTA…
Mário caiu sobre o cotovelo esquerdo e aleijou-se , PORRA….DESLOQUEI O COTOVELO…..DOI-ME….

AVISO-VOS …ameaçou policarpo, VOCÊS VÃO SE ARREPENDER….VOCÊS LUTAM SOBRE O IMPULSO DO ÓDIO, EU DEFENDO-ME SOBRE O INSTINTO DO AMOR E DA POESIA

Esta frase deixou Ramos Rosa e Herberto Helder bloqueados….

O QUE DIZES ??? perguntou cesariny tombado no asfalto
com um ar de admiração e de enorme espanto...

UMA CANETA, LIBERTA NA MÃO DE UM POETA A SIMBOLOGIA DA VITÓRIA, UMA GARRAFA E UM CHAPÉU DE CHUVA VELHO, ESMORECE E ENFRAQUECE NAS MÃOS DE UM CEGO….

QUEM TÚ ÉS ? perguntou Ramos Rosa

SOU UMA TENTATIVA DE SER ESCRITOR, HÁ MAIS DE 20 ANOS..

TÚ…..uma pausa…. TENS QUE SER MORTO FILHO DA PUTA, OS ANTI POETAS TEM QUE SER SUPRIMIDOS DESTA SOCIEDADE SECA E SEM INTUIÇÃO PARA A POESIA, NÃO TE VAMOS PERDOAR…
ameaçou Herberto Hélder…

Os 3 poetas uniram-se de novo na cegueira, e saltaram todos para cima de policarpo, aos gritos e aos "sopapos" desatinados, um velho já não "soqueia", apenas espalha "sopapos".

houve uma voz que os bloqueou e suspendeu os desatinos
de tal algazarra….

PAREM COM ESSA MERDA JÁ ! ESTOU A MANDAR-VOS PALHAÇOS DO CARALHO….
um velho com uma pele de aparente estado de degradação , enrugada e amarelada, o velho era baixo, sem cabelo, feio e magro, surgiu em robe azul escuro, calçando umas pantufas crocks cor de laranja. Estou em crer que como narrador este último pormenor é aterrador. 

QUE MERDA É ESTA ? FODA-SE, ESTOU A QUERER DORMIR E VOCÊS FAZEM ESTE BARULHO TODO
PARTO VOS OS CORNOS AOS QUATRO NUM INSTANTE, CABRÕES DE MERDA…

quem és tú, perguntou policarpo, numa voz balanceada entre o cansaço e o alívio da trégua e da esperança do fim daquela algazarra bizarra e absurda.

SOU O CÉSAR MONTEIRO, REALIZADOR DE CINEMA...

o autor do filme, RECORDAÇÕES DE UMA CASA AMARELA ?  perguntou policarpo com um tom de admiração….

SIM SOU EU.  (não escondia o tédio por tal resposta óbvia, ele era obviamente ele, enfim…)

Respondeu policarpo, nunca mais me esqueço daquela imagem, de uma míuda a tomar banho na sua banheira, depois de ela sair, você vai até lá e na água suja de sabão, você tira, com uma mão, uns pintelhos da jovem e exclama com  enorme satisfação perante tantos pintelhos….

AHHHHHHHH 
ihhhhhhhhhhhhh
arrrrrgghhhhhhhhhhh
ehhhhhhhhhh

desataram a rir-se, apesar de todos arranhados, os quatro, ainda de gatas ou sentados no chão alcatifado
daquela rua…..

ELA ERA MUITO LINDA…..

ahhhhhhhhhhhhhh

ria-se também César Monteiro…..

sentaram-se os 5 no passeio…..

César Monteiro perguntou aos 4, o que que se passa aqui, ….fez uma pausa  e olhou para o grupo de caçadores, eu estou a reconhecer vos aos 3 apontou para eles, quanto a ti, para policarpo, não sei quem és, a não ser que tens uma mont blanc muito bonita…

eles querem me matar….aproveitou policarpo para dizer ao velho realizador de cinema….

Ramos Rosa levantou-se e falou vigoroso e muito exausto, 
ÉS UM ANTI POETA…..

policarpo levantou-se…NÃO SOU NADA, É IMPOSSÍVEL…É UMA ENORME CALÚNIA….

MAU, MAU….em tom de ameaça para os 4 do bando TNHAM CALMA….avançou César Monteiro
o que se passa aqui afinal de contas ? deixou a pergunta para todos...

Ramos Rosa, de pé, continuou… EU EXPLICO…RECEBEMOS UMA INFORMAÇÃO, VINDA DE VENEZA, QUE NO BAIRRO DA ACADEMIA, PERTO DA PONTE GUARDI, AO SAIR DA PONTE, ESTE SENHOR, REPAROU NUM HOMEM, DE PÊRA, VESTIDO DE PRETO COM UM CASACO COMPRIDO E CHAPÉU CLÁSSICO , AO APROXIMAR-SE JUNTO 
DELE, COM ADMIRAÇÃO CHAMOU-LHE POETA….

sim, é verdade, eu lembro-me, estive lá há cerca de 1 ano, mas, lembro-me perfeitamente. Concordou policarpo, com a honestidade própria de quem é uma "tentativa de poeta"...

e então ?  perguntou César Monteiro ainda sem perceber o alcance daquela conversa...

continuou Ramos Rosa, O HOMEM FICOU MUITO OFENDIDO E RESPONDEU QUE NÃO ERA NENHUM POETA DE MERDA, QUE NÃO ERA UM INÚTIL DA SOCIEDADE MAS, QUE ERA SIM,  UM BUROCRATA, E ESTAVA A PREENCHER UNS FORMULÁRIOS PARA AS FINANÇAS ITALIANAS,….
E NÃO HÁ OFENSA MAIOR PARA UM POETA QUE SER CONFUNDIDO COM UM BUROCRATA, AINDA POR CIMA ITALIANO E AIND APOR CIMA NA POÉTICA CIDADE DE VENEZA…..

isso é verdade disse, César Monteiro..

DESCULPEM, FOI UM ENGANO, NÃO FOI INTENCIONAL…. EU SOU UM APAIXONADO PELO VOSSO TRABALHO DOS 3, ESTA MINHA FALHA AINDA HOJE ME PERTURBA E NÃO ME DESCULPO DESSA INFAMIA….FOI UM MAU MOMENTO MEU QUE JAMAIS IRÁ SE REPETIR…..

Os 3 poetas, olharam uns para os outros, e perceberam que há erros que somos capazes de cometer, mesmo
com muita gravidade, como é este o caso, mas, que há que fazer um esforço para perdoar..

Herberto levantou-se e afirmou em voz viva… acredito que sejas uma "tentativa de poeta", pela forma como nos encaraste, o que dizeste e o que tomaste como arma, uma caneta, ainda por cima MONT BLANC, não temos dúvidas disso…
MAS, NÃO VOLTES A COMETER TAL INFAMIA.
UM POETA NÃO PODE SER CONFUNDIDO COM UM BUROCRATA A PREENCHER UM FORMULÁRIO NA RUA, MESMO QUE SEJA EM VENEZA JUNTO A UM DOS BELOS CANAIS DA CIDADE E AS SUAS PEQUENAS E ARQUEADAS PONTES…

Levantaram-se os 3 poetas e sairam…
BOA NOITE
disseram os 3 e caminharam pela rua dentro…

vou-me deitar, disse César Monteiro,

BOA NOITE MEU RAPAZ…

chamo-me policarpo.

está bem, adeus policarpo, cuidado com as aparências, podem te matar um dia…


FIM

PEDRO DE ADÃO
4 DE NOVEMBRO DE 2012
Revisto no dia 23 dezembro de 2012
.

















sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

UMA OPINIÃO SOBRE O KAFKA E O QUE QUEIMO (não é poesia)

Kafka tornou se um idiota
Já queimei o processo e o castelo
Não ouvi as labaredas a gritar
Não vi o aroma da cinza queimada com cor azul turquesa
como as águas quentes de la isla mujeres em cancun

Ha um livro de kafka
Que não consegui queimar
Foi a metamorfose.
Não pela sua eximia capacidade
De tornar claro
A ambiguidade e estupidez humana

Não , não...E muito fácil pensar e imaginar
Um burocrata vendedor Se transformar em barata

Qualquer fábula infantil
Incute na sua narrativa
uma imensa projecção de absurdos

Não queimo o livro a metamorfose, De kafka
Porque ele é a prova que estou perante
Algo mais contundente no absurdo intimo da humanidade
A metamorfose de uma pessoa Numa parede branca junto ao mar

a parede humana Não ouve , ela não necessita de ter razão
ela está Imutável a tudo
a parede aplica a Destruição da razão
Como o único justificativo para uma Decisão

Quando uma pessoa
Se torna uma parede
Mais nada adianta
Ela assume a sua rigidez
E não sente
Não deduz ou seduz ou reluz

fica Quieta  com todos os seus motivos
Indiferentes a razão das coisas
Insensível ao sentir e agir do outro

Ela só precisa de uma coisa
Um grafiti a preto
A dizer "sou o único ser humano"
Tudo o resto são figurantes de fraca qualidade

E eu tenho fraqueza
Nos punhos em riste
Eles não conseguem empurrar a parede
A amplitude dos meus braços não consegue envolver a parede

Partir a parede e a única coisa possível mas a única que não devo fazer

Vou guardar na estante
A metamorfose de kafka
Que livro de merda !
a vida demonstra mais capacidade absurda do que baratas e vendedores...

UMA PERCEPÇÃO MINHA SOBRE A FRAGILIDADE DO AMOR (não é poesia)


Temos susto
Na morte do vento forte que se desenha nas nuvens
decorado em tons cinza

Basta porém um detalhe
numa ínfima fracção de segundos
o singular grão de areia inquieto
e desalinhado com o resto da argamassa
faz desabar o edifício de 2 andares
com 5 anos de construção

Tudo treme ao vento forte
mas acaba em destroços com a suave brisa

As pessoas
Tem desejo pela queda
O desalento atrai como uma marcha fúnebre entoada na inocência
De uma flauta de bisel

Iminente perigo de derrocada
Quando a inocente flauta
Com suaves notas Incute em si a marcha fúnebre

A dor para muitos
E o único preenchimento
Completo e intenso
De um quarto vazio
Desocupado sem mobília
Herdada de outros casamentos

Para muitos a alegria não passa de um objecto de decoração
que cansa o olhar quando permanece no mesmo lugar em cima do novo
Mobiliário

Mudamos sempre os moveis
A alegria tem que sair
Daquela cómoda ao lado
De tão bonita mezzanine
Que se fodam as mezzanines
Elas sabem pouco sobre o prazer das pessoas

A brisa assusta
Fraca condição do amor e da alegria


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

DESASSOSSEGO (exposição de poesia e fotografia) 3 textos / abril 2013



Tenho muito prazer em ter sido convidado pela Associação Cultural Rituais dell Arte
a ser o autor dos textos da exposição
DESASSOSSEGO  (Entre as Palavras e as Imagens)






TORNO-ME NA NOITE

torno-me na noite
quando o sol encerra o alto dos dias

respiro em cadência de valsa de strauss
na noite fria
nunca se vê claro e com definição
o alcance de quem vê na noite
está à distância de um palmo
a partir dai tudo é difuso

a noite coloca o seu melhor sorriso na face
as pessoas brilham sempre mais
e reluz tudo nelas
mesmo o que não é real

gosto das mulheres do dia
deduzo em suor e grito
as mulheres da noite

só me apaixono
com quem embato ao virar a esquina
acredito na força da colisão frontal

não há beleza nas rectas
o amor surge somente na dobra de quase tudo

no átrio da noite
refugiam-se em si os actores
estes evitam assumir-se
não há humanos a subir ao palco
estes ficam nas escadas de acesso


na noite
todos os corpos são
definidos ao contorno das mãos com apetite
todos os corpos são voluptuosos
e incutem em mim a vertigem do desejo a cobrir
há uma beleza inerente e trágica
a tudo o que os olhos não assistem


a líbido reflecte nelas
a perfeição suposta

todos se querem
tornar na noite
evitam o dia com óculos negros

esta beija os desgraçados
e asfixia lentamente os sóbrios



PEDRO DE ADÃO
DEZEMBRO DE 2012




O GOSTO DAS COISAS QUE CAEM


alimento o amor
com  argamassa dos destroços
quebrados e cobertos com humidade
os meus risos
ao ver-te chegar
edificam casas
com tijolos de argila enlameados na tua saliva
quente e aromática

sei que
bebes vinho do porto
e o teu hálito é quente
aqueces-me assim
quando frio escorre em mim

depois de nós a dois
a deslizar 
numa unicidade singular
há coisas a cair
a luz cai sempre quando ela
ilumina o escuro dos olhos 

gosto do que cai
amo quem tomba desamparado
a rigidez do ódio é indiferente
cair é estar lá


os atalhos que construímos
à mão calejada
com o que resta dos destroços
sobre o resto de uma outrora cama
são a nossa primeira habitação
segura e de confiança, onde não chove.

vejo ali
caído desamparado sobre o lago de tecido
lago enrugado
com epiderme de tecido de cetim
um candieiro sozinho

tenho latente em mim a fé
o corpo dela está incompleto
até eu chegar



PEDRO DE ADÃO
DEZEMBRO DE 2012





O DESALENTO QUEIMA EM AMARELO BRANDO



por onde anda
num passo indeterminado
o nosso desalento ?
ele carrega preto como sombra colada
poucos tem a coragem como epiderme
a pele deles é mediocridade

o desalento está algures entre o quente
da ponta da chama e o fresco suposto
de líquido que permanece a boiar

há quem não parta daqui
pelo suposto medo de não chegar lá
aponto o dedo na horizontal
este nunca será o tal dedo
das mãos


há corpo e dedo na poesia
há carne e sangue nas palavras
cuidem delas

toca ! sim, toca lá
na ponta da alma

arrisca deitar ao lume ao local onde és frágil
sai dessa cor preta que te rodeia

deixa te sentir
permite-te ao menos uma fracção de vida
queima-te e deixa-te arder,

recolhe o dedo e escreve
em lápis de cinzas

"nunca mais caminho


lado a lado com o desalento"

sábado, 3 de novembro de 2012

FUNCIONALIDADES APARENTES E INTENÇÕES DIFERENTES DE UMA MÃO


esclarecimento:  este texto ao contrário de outros foi escrito por encomenda de um espectáculo de música e de teatro e dança, sobre a violência doméstica.

para além de tudo, está escrito para ser declamado na primeira pessoa com uma interpretação teatral
que me obrigou a escrever de uma outra maneira...não tem a mesma liberdade caótica que gosto de ter....


FUNCIONALIDADES APARENTES E INTENÇÕES DIFERENTES DE UMA MÃO


a mão que atravessa
o hálito das bocas
que se beijam intensamente
e num silêncio cúmplice
de paladar escrito de emoção partilhada

e planta essa mão um gesto
de carícia em desvio no rosto de quem supostamente ama

é a mão que que carrega fúria
desanimo, ansiedade
frustração, carência, fraqueza

é a mão que endurece 
e é pedra rígida
que bate e cai
no mesmo rosto

a mão que rompe o hálito
de duas pessoas a menos de um metro de proximidade
transporta em si
mais que a fúria e a rigidez que a violência se orgulha em ter

ela dizima confiança
retira-lhe as vestes de tranquilidade
que a confiança veste de maneira pomposa

neste balanço
sabemos que a mão que desfila a carícia e faz emocionar mulheres
é a mão que fere como pedra e que faz cair mulheres

há que providenciar esclarecimento
nesta aparente funcionalidade

a mulher que ama
não vê na perfeição, 
tem óbvios problemas de visão, 
ela não consegue ver nada que se lhe depara
desviante da cor rosa que observa em todos os actos da pessoa que supostamente ama

é esta ingenuidade imbecil que colocaram no adn da mulher
que lhe perturba a paz que sonha
e que não vai ter
porque a sua força é a grande fragilidade
acreditar no amor

e ver cor de rosa onde está cinzento

aos homens que partilham hálito
com as mulheres

indiquem o "manual de utilidade e função de uma mão"
a mão não é hostil
a mão não é bélica
a mão é apenas uma mão
complemento final de uma extensão de braços, dois por sinal
que auxiliam
o homem nas suas tarefas de quotidiano

no dia em que a mulher se desviar
da trajectoria em linha recta do olhar de um homem
quando este levanta o braço e articula marcação de movimento com a mão
é sinal que ficou estilhaçado
o encanto do que é belo e que é amor

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

TEXTOS DE 1990 / 1993 e uma peça de teatro O COISO da década de 90


recordo aqui textos escritos por mim em outubro de 1993
faz este ano de 2013,  20 anos !!! nesta época pedro de adão, ainda não se assumia nem ocupava a sua autencidade em mim,  como "alter ego" e eu usava nesta altura apenas um pseudónimo, miguel da rosa....

O Círculo das Damas 
(tributo a Ezra Pound - com alguns versos dele !)

o martelar dos pregos
o vendaval de poeira
seca e papel espalhado
letras traídas
e soletradas em cor de rosa
púbis de trigo
à espera de serem 
ceifados
morte sem fim
gosto de morte
o púbis
mergulha mais adiante
uns cordeis, aqui, meias 
lá o fogo, depois, o abrir da alma
mergulhando jóias na lama
esculpindo seios de lobos
mães sádicas
vivam nos montes de lencois
abrem as bolsas
conduzem as filhas para a cama
porcas comendo as ninhadas




Eu na terra azul

desenho raízes
num golpe cego no rio azul.
Planto e mato pedras
verdes e de seguida
colho rostos de mulheres.
A quem entrego
versos obscenos.
Indico os trilhos 
sem saída para as tribos
que esperam a morte
do homem civilizado.
Para fazerem 
festas e orgias
na montanha do sul.
Evito amar e assim não morrer.
Grito liberdade
para imaginar que sou livre.
Fornico almofadas
de seda azul e soletro
ama, no meio da noite clara 
As palavras são
armadilhas sedutoras
venham que vos 
encanto e vos minto!
Assim se lê
o slogan de um 
famoso livro que
nunca ninguém leu
porque nunca foi escrito.
Não interessa!
é um grande livro.


Mensagens sujas

Deixamos de acreditar
na poesia
quando deixamos
de apostar nas
flores cruéis que
se entregam 24 horas por dia
ao sexo e a escrever loucamente
com suaves bebedeiras.
Ainda há o problema
de aceitarmos a cidade
que nos impoêm.
Eu não o nego
aceito a cidade.
No entanto
procuro sempre fugir
pelas cinco da manhã
e sujar os muros brancos
da cidade moderna
com mensagens
"vão-se foder!"
"viva a revolução cubana!"


Incorrigível Deus Surrealista


Carrego o sangue do sol
que é roubado ao Outono
sobre o mar calmo do Maio
e quando o chamam
dizem que é frágil, bêbado,
perverso, poeta e cabrão.
Um incorrigível deus surrealista.
É o tempo que evita o relógio
e rasga anos e meses sem dias.
É o tempo do silêncio
que se apaixona pelas camionetas
do lixo.
Seduz as nossas mulheres
de sábado à noite
as que dormem com os seios libertos da seda.
E deixam o endereço delas 
gravado em caligrafia inobservada
nas pedras inacabadas
dos passeios pretos da cidade.



A Dança do Sol


Num instante o tempo desvia-se  e fica mais longo.

Os dedos tocam flauta  a língua louca rodopia
os cabelos arrastam  ondas do mar pela guerra do vento.

Os lábios abrem e mostram o monstro doce.
As ancas constroem os arcos da cópula.
O rosto rasga máscaras transforma os traços a cada impulso.

O clarim anuncia o fim das cruzes.

A manhã nasce pela tarde no terraço do dia ao sol que dança.

Crista em si bela nua desfalecida sobre os azulejos brancos.
Seus seios rendem-se ás coroas de espinho,
dobram homens em reza, ressoam enormes sons , estimulam lábios de musgo
nos rostos das pedras mortas até então, ressuscitam ao milagre
dos cachos sagrados.

Seu púbis floresce erva no lago do fogo onde seduz esmeraldas
esconde os segredos de Deus.
Assassina insectos que ousam pronunciar a bandeira das suas tropas
que avançam nas terras molhadas da traição do ventre de fé da irmã de cristo
penetram e deixam feridas.

Na manhã de noite claridades ascendem ao mar e narram lendas de fogo
à sombra do ventre que mente.
Tudo isto muito, quase nada!

O sol quando brilha  fica sempre por brilhar ainda.

O sol dança  enquanto crista quieta.
As pedras vacilam rolam em triângulo
pelas estradas da fé onde se assiste a dança louca o sol pouco.

As nádegas nascem dos azulejos como montes perfeitos da terra
o sol ameaça o pôr do sol que cai leve nas nádegas.

O sol deita-se ao mar brilha claridades líquidas
quer ter ser poder deus atirar-se em erecção 
no combate pela fé, no fogo onde a infâmia é leve.

A loucura não quer menos do que pouco tudo é melhor do que ser Deus.

O sol insiste em querer Deus masturbar-se na imagem de Maria
a imitar a mais inocente "gueixa" , foder como os cães nos becos do lixo,

fumar o "crack" que se troca nas ruas, beber do álcool
que encharca homens sóbrios, ler e rasgar as páginas dos livros de poesia,
respirar nas noites de Novembro  os sinais de fumo  da tribo das castanhas assadas,
passear pelos passeios de pedra branca do Rossio iluminado,
chocar com as pessoas
que caminham sem olhar em frente  nas estradas dos passos,
perder conversas e horas ver a noite passar num bar.

Crista desliza  com a tranquilidade inquieta  de quem faz amor pela primeira vez.
suas pernas rasgadas em ar insinuam a dor de uma viagem sem fim
seu ventre guarda o jardim mostra os canteiros  das flores sagradas e obscenas.

O sol assiste , crista  abre-se como uma puta
que no quarto de uma pensão tira a roupa toda com uma promiscuidade suja
e deixa-se ficar nua e seca defronte do comprador sem sabor a mistério.

O sol dança fox-trot em ritmo de acid-jazz
numa valsa de rock`n roll cai em ruínas fuma heroína planta pénis
e lança-os ao terraço do dia.

No rosto gasto da pedra esmagada pelo peso leve das nádegas
intoxicado pelo aroma do ventre  num ribeiro de sangue salva da seca
o sol que pede auxílio à lua
para decifrar os rastos da menstruação.

A irmã de cristo solta a mão do ventre os lábios libertam a cruz diz não ao sol
    sente no dedo o peso das mulheres daqui.

cobre o rosto com flores de nada ata-o com seus cabelos negros
solta latidos como choros de criança
conduz a dança onde o sol não se cansa deixa-o desmantelar
cair em fragmentos.

O terraço assiste ao caos crista levanta-se com a certeza de Deus
caminha com a dúvida das mulheres  pára com a traição dos homens.

Suas nádegas deixam-se pelos azulejos
como montes perdidos na terra. Seus seios
inspiram os poetas que se agarram aos cachos e imitam bodes.
Seu ventre  abre estradas
constrói labirintos derruba muros reza pelos corpos que se adjuntam nas ruínas.

Ela atira-se fora do terraço do dia,  noite? manhã? tarde?


perde-se sempre o que adoramos  pelos dias irreconhecíveis da vida.


Cinco  Mandamentos  pelo Combate da Alma 

Primeiro
(almas inquietas)

Rompi
em excessos pelas
linhas agrestes
de uma estrada
desconhecida
de terras d`além não.
retiro
da claridade cinzenta
o rosto
indecifrável.
Ignoro ousadamente
o silêncio frágil
que permanece ofusco
sentado sobre um muro
de dez milímetros
de dimensão.
Vigia
vigilante
a cidade de fogo.
Nas sombras
desenham-se farsas
susurram-se gritos ambíguos
toco sinos e agarro canetas
faço ecoar o grito
que naufraga em terra
pela tentação
de rasgar fogo a fósforos
nas sombras claras
onde ardem águas invisíveis.
Inrompo como um animal ferido
perdido, com mapas e rotas, no seu tempo, 
sem ponteiros no relógio.

Segundo
(Construir um Poeta)

Desce o rio
pelo mar que sobe
traz pela terra
o que o poeta
escreve ao mar

olho sorrindo
pelo espelho
e somente vejo
a alvorada da tristeza
que impõe versos
como torres de areia
na margem do mar inquieto

a criança plantam pêlos
pelo corpo que cresce.
esculpem em mármore de água
a alma desassossegada

nasce aquele que não é
mas que dele se diz
quase ser
um sempre não

espelho do tal rio
que desce
pelo tal mar
que sobe

nas escadas que sobem
os passos
do poeta
que apenas descem.

Terceiro
(Ergo um Obelisco ao Ventre)

Escuta-se
as rosas diluindo-se
em tempo de adágio
num sumo
que se entorna num copo quebrado
a memória ofegante
respira aromas
do seu próprio passado
reinventa-se viagens
que apenas passam pelo sítio
donde se preparam para partir.

As pedras afluem
em lábios ressequidos e vermelhos
recolhem em beijos o sangue
embriagado da reminescência
de um seio quebrado
pela coroa de espinhos
da crista
que busca nas palavras
e no trivial
o pénis para a 
salvar da santidade.

As pedras vacilam
e erguem-se
escrevem a fogo
versos de Nietzsche
nos caminhos baptizados.
Entregam-se à rota
de um ventre esquecido
de uma crista
airosa em cio.
Quarto
(Efémero Combate de uma Ave)


Carrega leve
túmulos replectos
sobre o arco
da ponte quebrada
ouve-se murmúrios
em búzios de poesia
prelúdios de fogo
de um trajecto de guerra
dentro do túmulo
corre louco e aliciante
o instinto
impectuoso de um errante.

A ave
que dura ave
que combate e voa
para somente cair
em detroços sobre a terra
e ao endereço
de um crepúsculo
tornar a combater
para assassinar o combate
e evitar que peça socorro.

Escreve nome de vento sul
para que o combate
corra pelo tempo de norte
a ave
rasga as asas que suporta
e junto à estrada incerta
pede boleia
e viaja certa pelos caminhos do centro.

Quinto
(A Ela Daquela Inércia)

Ao prefácio
de um tempo escrito
num trago de loucura
pousei-a sobre a...
uma qualquer a...
distante
do prefácio
do erro que sorri
agarrei num banco
sem mexer um dedo.
Caí sobre o chão
embora sentado naquele banco.
Deslizei em passos de água
sobre a mulher
se não mulher, um ela qualquer.
Numa inércia apressada
ela recitava imagens
negras de um medo de amanhã
perseguia cristo e tocava-lhe
no sexo, aquele que caiu na primeira tentação.
Resgava páginas da "coisa"
do moravia, escondia o resto erótico.
Gritava-me nú eu sobre o resto erótico.
Desenhei magias sobre a 
claridade negra das labaredas.
Soltei animais das imagens
da alma em insurreição.
Tinha caído frágil sobre ela
uma qualquer ela
daquelas que se masturbam com a poesia.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

QUANDO A FORÇA É O ÚNICO ACTO DE AMOR



carrego a porta
desvio o norte e cruzo
em frente

carrego o sol na mão esquerda
ouso-me a ser patife
solto o verbo roubar

sou catedrático na astronomia
ardo a mão
com a intensidade do sol que carrego

depois de lapidado pelo "grande irmão"
não me restou mais esperança
do que queimar-me

o segredo do estado
é queimar pessoas e enterra-las
somos números que incomodam

volto para norte
não me importo de molhar
caia a chuva em mim
e me magoe
que não me suje a camisa branca

não tolero sujidade
enquanto que estar molhado é condição primeira
nesta tolerância que é exercer cidadania

executamos passos no tabuleiro do jogo
os donos do jogo
tiram a lua e colocam-na no castelo privado
riem alto de todos os outros que são peças de brinquedos

a única chave para abrir a porta está na posse dos donos do jogo
não há cópias

o senso diz-me
não abras a porta, ela não abre
derruba a pontapé a porta
carrega sobre ela

a força é o amor que nós precisamos

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

POLICARPO E O TELEFONEMA SOBRE ALBERT CAMUS (conto de ficção)




figurantes compostos e com adereços a rigor
é o que somos nesta encenação

o texto enrolado em papel jornal
as letras sublinhadas
a tinta vermelha
há memórias da censura em nós

a estrada estava limpa
estava sobre a sombra da noite, escura
em tons cinzentos e azuis negros

eu chegava e cortava a direito
o asfalto espelhado
o céu cobria e fazia sombra

a quebrar o vidro que um momento
em condução pode ser
eis o toque
e o momento que afiado cortava
o asfalto de alcatifa cor de espelho
estilhaçou em pedaços invisíveis

quem era ?
quem me liga aquela hora da noite ?

os mortos fazem-nos
sentir vivos, emitem in loco o atestado de existir

o óbito equilibra a vida
o óbito estilhaça a intenção de imortalidade
que cabe na nossa soberba e arrogância animal

eduardo falava
as palavras entupiam-se na fonética e na sequência
da ordem dos acontecimentos
o telefone tal como fúnil de sons que nos desaguam ao ouvido
entopem

eduardo continuava a falar
conheçes camus ?

pensei eu, o quê ?
a esta hora da noite, alguém me pergunta conheçes camus ?

eu como, albert camus, nos autores
que li e que gostei

fiquei estranho
sim, albert, o argelino....

devias ler o mito... interrompi, sim, de sisifo....
e também li há muitos anos, o estrangeiro...

era jogador de futebol e amigo de simone e de jean paul... disse eduardo

retorqui eu, do futebol, não sabia

sabia que morreu as 13 55, num desastre de automóvel

estranho, pensei eu, eduardo ficou em silêncio
quem se lembra da hora da morte e não da exaltação pelo futebol...

camus olhava para nós
e via o que está escrito no destino

absurdo de uma existência
quem sobe a colina com uma pedra pesada
num enorme esforço e sacrificio
apenas, para a ver descer a colina...

desliguei a chamada
e esqueci camus, argelino, nobel da literatura
tuberculoso e amigo de jean paul até se terem desentendido

por causa de um livro

porque me ligam de madrugada

para me falarem de camus ?

eu, policarpo, agradeço
ter amigos destes, que fazem do irracional
a possibilidade
da inoportunidade, o conveniente
do desadequado, o livre


aguardo o próximo telefonema
não desligo o telefone
garanto.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

HOMEM BOM E HOMEM MAU ?






















não há monstros pintados a sangue tom preto
não há santos pintado a branco em tom claro

quem mata, sorri se necessário
quem sorri , agride se necessário

por isso sou um bom patife

por isso assisto ao pormenor do que me rodeia
e com isso tento encaminhar palavras em estradas de poesia
e para isso dou às palavras o toque de lamina afiada para cortar
e também dou às palavras a suavidade no algodão, que é leve e branco

a minha poesia é isso....palavras em sequência numa estrada num sentido para sul
eu vou sempre para sul...
a poesia tem a dualidade que a biologia implantou ao homem
do poeta ao patife

bato e acaricio
sou mau e sou bom
o que está latente em mim ?

ser. apenas isso ser.... ser.


homem bom e homem mau
duas pessoas na distinção e no nome ?

caímos apenas num dos lados da dimensão do homem
e no seu julgo de agir no dia a dia de acordo com uma das opções

o mal e o bem ?

resume-se a isto a dimensão de um homem ?

não.

o homem não cresce nem vive em camadas paralelas de
moralismos sociais
o bem e o mal...

o homem é dimensão definitiva em si mesmo
o homem é beco sem saída
o caminho tem apenas um sentido e um impulso

ninguém vai e vêm ao mesmo tempo numa estrada
na mesma fracção de tempo
numa vez vamos para lá e de outra vez voltamos para cá
o tempo e o espaço nunca é igual
em todos os momentos do homem

o homem tem latente em sim uma só dimensão
e ela não é escolha
ela é reacção aos momentos presentes a nós !

o homem é em si o monstro belo e bom
e é o belo feio e mau...

no entanto há sempre um momento
em que se pode escolher
em que se pode aprimorar uma das partes da dimensão de ser homem
em que se pode parar e saber que posso fazer bem ou mal...

quanto a mim, policarpo

quero ser tentativa de poeta e um bom patife

terça-feira, 4 de setembro de 2012

SAPATO ARMA AFIADA PARA O CORTE


o vermelho é uma cor já afiado para ter requinte
e pouca dor causar na sua função

de suster a respiração dos homens

um sapato corta a direito em linha curva
o branco de uma perna
sustenta a intenção e segura o vermelho
como um pulso firme para o corte...

um sapato alto vermelho
sustentado por uma perna em meias brancas de rede
não é apenas um sapato alto

é uma arma

coloca-se a questão aos homens ?

quem se deita pelo chão em formato de manta
entre o linho e a seda da india
quem se dispõe à forma plana de uma manta

há homens com metamorfose suficiente ?
eu não me coloco na horizontal em mutação de osso e pele
em tecido qualquer de fabrico sem origem reconhecida ?

a mim, reservo-me a beleza de contemplar
um sapato alto vermelho
com uma intenção no seu intimo de não ser apenas sapato
e de se tornar num perigoso utênsilio de corte afiado

perante uma perna de meia branca
há beleza que se reduz e se fica quieto
não é mar
não é uma pintura
não é uma obra classica

é uma beleza de circunstância
ao momento que se pinta com as cores do desejo
e das emoções que a carne mistura os pigmentos de tintas