segunda-feira, 24 de setembro de 2012

QUANDO A FORÇA É O ÚNICO ACTO DE AMOR



carrego a porta
desvio o norte e cruzo
em frente

carrego o sol na mão esquerda
ouso-me a ser patife
solto o verbo roubar

sou catedrático na astronomia
ardo a mão
com a intensidade do sol que carrego

depois de lapidado pelo "grande irmão"
não me restou mais esperança
do que queimar-me

o segredo do estado
é queimar pessoas e enterra-las
somos números que incomodam

volto para norte
não me importo de molhar
caia a chuva em mim
e me magoe
que não me suje a camisa branca

não tolero sujidade
enquanto que estar molhado é condição primeira
nesta tolerância que é exercer cidadania

executamos passos no tabuleiro do jogo
os donos do jogo
tiram a lua e colocam-na no castelo privado
riem alto de todos os outros que são peças de brinquedos

a única chave para abrir a porta está na posse dos donos do jogo
não há cópias

o senso diz-me
não abras a porta, ela não abre
derruba a pontapé a porta
carrega sobre ela

a força é o amor que nós precisamos

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

POLICARPO E O TELEFONEMA SOBRE ALBERT CAMUS (conto de ficção)




figurantes compostos e com adereços a rigor
é o que somos nesta encenação

o texto enrolado em papel jornal
as letras sublinhadas
a tinta vermelha
há memórias da censura em nós

a estrada estava limpa
estava sobre a sombra da noite, escura
em tons cinzentos e azuis negros

eu chegava e cortava a direito
o asfalto espelhado
o céu cobria e fazia sombra

a quebrar o vidro que um momento
em condução pode ser
eis o toque
e o momento que afiado cortava
o asfalto de alcatifa cor de espelho
estilhaçou em pedaços invisíveis

quem era ?
quem me liga aquela hora da noite ?

os mortos fazem-nos
sentir vivos, emitem in loco o atestado de existir

o óbito equilibra a vida
o óbito estilhaça a intenção de imortalidade
que cabe na nossa soberba e arrogância animal

eduardo falava
as palavras entupiam-se na fonética e na sequência
da ordem dos acontecimentos
o telefone tal como fúnil de sons que nos desaguam ao ouvido
entopem

eduardo continuava a falar
conheçes camus ?

pensei eu, o quê ?
a esta hora da noite, alguém me pergunta conheçes camus ?

eu como, albert camus, nos autores
que li e que gostei

fiquei estranho
sim, albert, o argelino....

devias ler o mito... interrompi, sim, de sisifo....
e também li há muitos anos, o estrangeiro...

era jogador de futebol e amigo de simone e de jean paul... disse eduardo

retorqui eu, do futebol, não sabia

sabia que morreu as 13 55, num desastre de automóvel

estranho, pensei eu, eduardo ficou em silêncio
quem se lembra da hora da morte e não da exaltação pelo futebol...

camus olhava para nós
e via o que está escrito no destino

absurdo de uma existência
quem sobe a colina com uma pedra pesada
num enorme esforço e sacrificio
apenas, para a ver descer a colina...

desliguei a chamada
e esqueci camus, argelino, nobel da literatura
tuberculoso e amigo de jean paul até se terem desentendido

por causa de um livro

porque me ligam de madrugada

para me falarem de camus ?

eu, policarpo, agradeço
ter amigos destes, que fazem do irracional
a possibilidade
da inoportunidade, o conveniente
do desadequado, o livre


aguardo o próximo telefonema
não desligo o telefone
garanto.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

HOMEM BOM E HOMEM MAU ?






















não há monstros pintados a sangue tom preto
não há santos pintado a branco em tom claro

quem mata, sorri se necessário
quem sorri , agride se necessário

por isso sou um bom patife

por isso assisto ao pormenor do que me rodeia
e com isso tento encaminhar palavras em estradas de poesia
e para isso dou às palavras o toque de lamina afiada para cortar
e também dou às palavras a suavidade no algodão, que é leve e branco

a minha poesia é isso....palavras em sequência numa estrada num sentido para sul
eu vou sempre para sul...
a poesia tem a dualidade que a biologia implantou ao homem
do poeta ao patife

bato e acaricio
sou mau e sou bom
o que está latente em mim ?

ser. apenas isso ser.... ser.


homem bom e homem mau
duas pessoas na distinção e no nome ?

caímos apenas num dos lados da dimensão do homem
e no seu julgo de agir no dia a dia de acordo com uma das opções

o mal e o bem ?

resume-se a isto a dimensão de um homem ?

não.

o homem não cresce nem vive em camadas paralelas de
moralismos sociais
o bem e o mal...

o homem é dimensão definitiva em si mesmo
o homem é beco sem saída
o caminho tem apenas um sentido e um impulso

ninguém vai e vêm ao mesmo tempo numa estrada
na mesma fracção de tempo
numa vez vamos para lá e de outra vez voltamos para cá
o tempo e o espaço nunca é igual
em todos os momentos do homem

o homem tem latente em sim uma só dimensão
e ela não é escolha
ela é reacção aos momentos presentes a nós !

o homem é em si o monstro belo e bom
e é o belo feio e mau...

no entanto há sempre um momento
em que se pode escolher
em que se pode aprimorar uma das partes da dimensão de ser homem
em que se pode parar e saber que posso fazer bem ou mal...

quanto a mim, policarpo

quero ser tentativa de poeta e um bom patife

terça-feira, 4 de setembro de 2012

SAPATO ARMA AFIADA PARA O CORTE


o vermelho é uma cor já afiado para ter requinte
e pouca dor causar na sua função

de suster a respiração dos homens

um sapato corta a direito em linha curva
o branco de uma perna
sustenta a intenção e segura o vermelho
como um pulso firme para o corte...

um sapato alto vermelho
sustentado por uma perna em meias brancas de rede
não é apenas um sapato alto

é uma arma

coloca-se a questão aos homens ?

quem se deita pelo chão em formato de manta
entre o linho e a seda da india
quem se dispõe à forma plana de uma manta

há homens com metamorfose suficiente ?
eu não me coloco na horizontal em mutação de osso e pele
em tecido qualquer de fabrico sem origem reconhecida ?

a mim, reservo-me a beleza de contemplar
um sapato alto vermelho
com uma intenção no seu intimo de não ser apenas sapato
e de se tornar num perigoso utênsilio de corte afiado

perante uma perna de meia branca
há beleza que se reduz e se fica quieto
não é mar
não é uma pintura
não é uma obra classica

é uma beleza de circunstância
ao momento que se pinta com as cores do desejo
e das emoções que a carne mistura os pigmentos de tintas