1
SERVIR CAFÉ AO MORTO (farol da barra)
ele há manhãs iguais a todos os dias
a vida consegue ser monotona nas suas personagens e nos seus ambientes.
num quotidiano que expressa cor cinzenta, mesmo em dias azuis
era o café esplanada perto do farol da barra
o relógio marca horas matutinas por volta do tempo onde estou.
policarpo lia o jornal todas as manhãs
a acompanhar, tomava um café
habitualmente pela manhã, que é muito diferente de ser pela tarde
um senhor
era um dos elementos da decoração do café todos os dias
era uma pessoa com distinto titulo de senhor
calvo numa cabeça redonda
erguido num pescoço como se fosse uma estaca espetada no largo dorso do senhor.
estava o senhor sentado numa das cadeiras mais ao fundo, perto do farol
tomava sempre o seu tal café curto e sem açúcar
ele nunca falava
ele nunca pedia o café
o empregado já sabia o que ele desejava
o dinheiro estava sempre tombado na mesa...
no dia seguinte, cheguei e lá estava ele
era sempre o primeiro
há pessoas com uma obessesão a serem os primeiros nalguma coisa
o empregado venezuelano
chegou, disse bom dia e serviu o café, tirou o dinheiro correspondente..
ainda comentou sobre o lindo dia de praia que iria ser naquele dia
e ainda mais admirado por ser um dia de outubro
o venezuelano, vira as costas e e diz até logo ao senhor...
a cabeça do senhor estava pousada sobre as costas altas da cadeira amarela
com o olhar fixo permanente sobre o farol
o imaginário do farol é alimento para todas as gerações
junta à sua missão de impedir acidentes de embarcações marítimas
com a sua forte luz rotativa que nunca se cansa
a esta hora, olhei para o relógio, e percebi que estava atrasado
para não ir a lado nenhum
já estava atrasado, esse sentimento era forte na minha cabeça e isso preocupava-me,
só o simples facto de poder chegar tarde.
fui brusco nos movimentos de me libertar da apatia que se contagia quando se está numa esplanada
a tomar café e a ler o jornal pela manhã,
olhei duas vezes para o relogio e saí apressado
como se fosse a algum local e na realidade não tinha nenhum local para ir
mas, isto também é apenas um pormenor irrelevante
a pilha do meu relógio pulsar estava parada há 3 meses, mas, o que
interessa é ter a intenção e a inclinação
de ver as horas
interessa pouco saber o que marca as horas
o movimento de olhar uma ou duas vezes para o relógio
dá uma utilidade misericordiosa a nosso dia a dia
um senhor aproxima-se do tal senhor
e pergunta..
bom dia meu senhor, para que lado é a costa nova...
o tal senhor a olhar para o farol por entre uns óculos de ray ban, aviator
não respondeu
mas, a posição da cabeça para o lado do farol
apontava a ida para costa nova e as suas riscas de várias cores
a pessoa que fez a pergunta, entendeu a aparente resposta do senhor
e saiu nessa direcção
no outro dia o empregado venezuelano aproximou-se de novo do senhor
eu tinha chegado depois e sentei-me 2 mesas à frente dele
disse bom dia ao tal senhor
e voltou a conversar com ele
desta vez perguntou se não se cansava de olhar para o farol
o tal senhor recusou a responder
e insiste o empregado, o senhor não se lembra de enid blyton
e os cinco na ilha e a aventura que se passou no farol
eram livros fantásticos
o david, a zé, o julio a ana e o cão o tim ?
e aquelas compotas e aqueles lanches fantásticos...
adorava
bom, vai o café curto ? o senhor em silêncio.
ontem não bebeu nada, estava muito torrado ?
saiu e voltou com um café curto e voltou a pagar o café com o dinheiro na mesa
no dia seguinte, a cena repetiu-se e de novo as conversas, ou melhor, as tentativas do empregado venezuelano..
do outro lado, passa uma criança com os seus pais
ela corria a frente deles, numa clara manifestação de alegria
os pais sorriam e não perdiam a distância da filha
ela correu atrás de uma bola e ela parou diante do tal senhor
a menina parou, olhou, inclinou a cabeça para o lado esquerdo
sobre a parte esquerda do tal senhor
virou-se para os pais e disse-lhes
está morto papá e mamá
o que lhe aconteceu...
o venezuelano ia a pasar e parou
eu parei, todas as pessoas do café do farol na zona da barra em aveiro
ficou a olhar para a menina e numa diagonal de olhar, para o tal senhor...
morto ?
disse para mim mesmo
e aquele filha da puta daquele venezuelano
ainda a servir cafés a um morto ?
e pior que isso
está sempre a maça-lo com conversas e ainda por cima cobra-lhe o café
levantei-me passei pelo mal empregado
e disse-lhe
filho da puta, és estúpido que nem um calhau
não tens vergonha de cobrar o café a um morto ?
nem ao menos lhe ofereces a merda de uma água suja com café moido ?
à miuda, disse-lhe...
perspicaz minha menina
sai e prometi nunca mais voltar aquele café e a nunca mais a olhar para o farol
não admito que se ponham a cobrar cafés a mortos.
2
POLICARPO CAMINHA PARA LUGAR NENHUM
interessa o destino
ou a permissão da mobilidade
o valor esta na chegada
ou no percurso a fazer à base de chão e suor
policarpo acaba antes de começar
barbeiro de profissão
aparador de pélos segundo a carteira profissional
pessoa de poucas falas na forma oral
no entanto com reconhecidas virtudes no gesto de murmurar
policarpo, um metro e oitenta e dentes tortos
na altura de corpo um capitão
no que pensa um miserável pedante
cheira a água de colónia
opta por comprar alfazema
policarpo casado por falta de opção
a mulher, uma
imprudente actriz de teatro triste
não ama, não vibra, não se faz feliz
ao lado de policarpo
policarpo individuo mediocre
espera pouco da vida
porque pouco tem para contribuir para a vida
daltónico por vocação
nasceu sem olfacto
a alfazema ou o peixe são o mesmo
não há cores nem distinção do que ferve na natureza
a mulher de policarpo habituou-se a pouco
dele executa as obrigações do amor
1 vez por semana ao sábado na cama com os lençois sem vinco
e com a dobra dos lencois milimetrica e em forma
também ela se transforma numa espectadora
da vida que os outros vivem
policarpo baeta de profissão
aparador na formatura
tem estranhos hábitos diários
policarpo sai de casa e vira sempre à esquina
da segunda rua depois de sua casa
dirige-se para baixo junto à avenida em paralelo com o que resta do rio
caminhava para suoeste
ora acelerava o passo, ora ia lento
ora ultrapassava transeuntes ocasionais
ora respeitava a fila e ia atrás em linha recta
quem o via
tinha a certeza que ele tinha destino
levantava os olhos olhava por cima e decidia para onde ir
ia sempre em caminho de nada
subia e descia a avenida
virava ora a esquerda ora a direita
olhava para o relógio e sentia-se atrasado
para o seu compromisso
arrancava de novo a andar com a pressa típica
de quem tem a agenda semanal repleta de afazares
ele não tinha nada
mas, isso não interessa para os outros
ele tem que caminhar
andar para o local que ele tem muito determinado
fica ofegante
enquanto se dirige para lado nenhum
cumpre sempre os horários de coisa inexistente
ao chegar à rotunda
policarpo dava 8 volta completas
antes de atravessar olhava ora para a esquerda ora para a direita
atravessava em frente, virava-se de novo
olhava em frente, depois para a esquerda e depois para a direita
e atravessava de novo a mesma rua
isto sucedia-se durante 9 vezes
enquanto isso a sua esposa
interpretava o papel de meretriz numa peça de alcoviteiras gregas
fornicava quatro por semana
enquanto policapo caminhava em direcção a nada
não o deixa porque está habituada a nada
3
UMA HISTÓRIA DE AMOR NUM AÇOUGUE MEXICANO
vilão, tem um açougue..
é contornado na fronteira do seu negócio por uma estrada serpente
uma enorme serpente que rodeia tudo e seca...
o alcatrão é assim, asfixia o que rodeia..
vilão entre esquartejar um pedaço de boi ensanguentado
tem umas tiradas poéticas
e enquanto não serve e espera por clientes vai escrevendo a carvão numa sebenta amarela
onde redige a longa lista dos que lhe levam fiado....durante mais de 10 anos....
nesses momentos também mortos à apatia de um açougue
ele corta pele com uma lamina fina, precisão cirúgica, corte recto, perfeito
de dentro ele solta
pérolas de poesia crua e em sangue fresco
"....
quanto espaço existe numa fracção de nada, o nada parece uma medida impossível de quantificar
mas, vilão sabe a resposta, no nada, redução intima de não existência, o nada tem uma fracção de zero...ou seja acaba mesmo antes de começar..."
carmen, morena, mexicana, cujos pais se inspiraram na obra do francês Bizet, Carmen
costuma ir ao açugue a pé, com uma saia rodada que por fata de tecido na hora da costura, ficou muito acima do joelho, o que causa a carmen uma enorme felicidade, não paga o vinho que bebe, não paga a carne com hormonas que leva do açougue, ela não sabe porque isso lhe acontece,
sempre ficou intrigada por tantas e constantes oferendas, fazem fila à porta dela, só para a ver, ela diz bom dia e abre a porta para receber as oferendas, não recebe ninguém em casa...
para o vilão, dono do açougue de beira de estrada, ele sabe a razão que lá vai, carmen não tem o hábito de usar roupa interior, usando as saias rodadas e curtas, cada gesto e movimento que faz a lavar a roupa, a estender roupa, a lavar os vidros da casa ou a apanhar cajús, deixa dislumbrado a vasta plateia de playa del carmen....
entre a plateia, estima-se uma média de 50 pessoas por hora....
a cada gesto só se ouve, deliciosa carmen, que linda, tão livre e solta que ela é....que arejada...tão farta em cabelo negro como o que lhe compôe a cabeça localizada em cima dos ombros...
belo dia carmen, foi de bicicleta até ao açougue...
chegou com aquela imagem da esperada santa no altar...
olá vilão...
tás boa carmen, desculpa, tú és sempre boa... tás melhor hoje ?
responde ela, igual a ontem ! retorquiu ele, então estás abundante nesses cabelos negros que plantados no local, compôe um arranjo floral que ninguém resiste...
vilão, hoje quero toucinho e entrecosto
claro...enquanto mando cortar...
queria te dizer o que me vai na alma carmen...
..." aponta lá para fora para a estrada de tapete novo, esta serpente negra que me traça fronteira no meu açougue, feita de alcatrão negro, é seco e feio, mas, nos dias em que ele te traz a mim, parece feito de algodão plantado de noite
e por isso não é branco, é espelho que reflecte o negro da noite...
tu a rodares com essas poucas saias neste algodão pareces plumas leves ao toque que com uma brisa corre fora e flutua... tu não caminhas, tu flutuas neste algodão negro....."
carmen ficou rendida...
vilão, tú és das pessoas mais feias, mais repugnantes que conheço, essa barriga enorme, esses muitos pélos que saltam por todo lado dessa camiseta da lacoste, esse bigode farto, até tens pêlos nos ouvidos e no nariz, mas, para além dessa farta plantação de pêlos, tens a suavidade das palavras requintadas e carinhosas, a poesia que me deixa
encantada a olhar para ti, e eu não te vejo feio, porque não te olho, as tuas palavras articuladas escrevem ordens em palavras escritas em luzes enormes, neons de lojas das grandes cidades.....
diz vilão, ....carmen, hoje, para além de te oferecer a carne, queria te oferecer outra coisa....
o quê perguntou curiosa carmen ???
gostaria de partilhar algo que tenho em mim, dentro de ti....
carmen, responde, .....sabes vilão que já muitos me perguntaram isso e eu não sei o que é isso que vocês querem mas, já me ofereceram dinheiro e joias, terras
e até galinhas bonitas e abundantes reprodutoras de ovos,
mas, tú, feio ensanguentado de sangue dos animais que esquartajas aqui,
tens a palavra esculpida como o barro mágico que é usado para moldar os sonhos que me fazem sorrir e que me fazem gostar de viver....
carmen, convicta, responde, .....açeito... mas, hoje não quero a carne, quero essas palavras feitas de sonhos e de coisas impossíveis de ser ver aqui em playa del carmen...
vamos, diz vilão ?
sim, responde carmen, que interrompe, mas, diz-me mais alguma coisa......
vilão, apura a voz e em destaque e imponência diz-lhe entre os seus fartos bigodes...
"...ó bela carmen, a tua voz esfola-me a pele que me encobre do frio das noites mexicanas, a tua voz é tão afinada e doce como a minha melhor faca da europa, aquela que brilha todos os dias ao sol do meio dia, e essa corta-me a epiderme da pele que visto, e penetra em mim com um calor de quem ama e conta segredos entre os lencois desarrumados de um leito, e o teu cheiro de suor dos afazeres mais banais e esforçados do dia a dia, é para mim a fragância onde quero sufocar, ela é oxigénio que respiro, eu não morro por ti, porque estar te a ver é sinal que estou noutra vida de fantasia e de amor, e essa só vemos depois de morrer.."..
carmem vira-se para vilão e diz-lhe .....
fecha o açougue e afasta essa carcaça dessa vaca que esfolaste hoje, é aqui neste balcão que quero me ofereças o que dizes ter para mim.... e vai me dizendo essas palavras que me fazem parar e pensar.....
vamos carmen....
vira a tabuleta que tinha comprado há mais de 3 anos, desde que carmen começou a ir comprar miudezas e carne ao kilo,
"cerrado para amor de mi vida"......
apagou as luzes....
4
SOUBE QUE MORRI ONTEM NA TUNISIA
....salem (olá)
virei me para o pequeno homem, de testa curta, de pele queimada
pelo sol que aquece e escurece, chamava-se yasshamine (flor de jasmim)
...je suis yasshamine...monsieur....disse ele com aquele mau sotaque de francês... (e é a segunda lingua oficial)
e virou-se para mim e respondeu
....chukran (obrigado)
apanhei um táxi, daqueles de duas rodas, bicletas táxis...
conseguimos trocar 7 palavras, 2 em árabe para estrangeiro pretensioso (como eu)
3 em francês e outras 3 em espanhol..
estava orgulhoso porque a tunisia tinha 70 anos, mais ou menos, de independência como pais
e eu petulante, com ar de europeu embevecido com a história de glória que nos é contada entre rimas de camões
respondi com orgulho, nós temos mais de 800 anos de história...
e desatei a rir...
a nossa conversa e meu riso foram interrompidos...
ele tinha um radio de marca alcatel, já sem a letra l no fim, era a pilhas alcalinas, com a parte de baixo, colado com fita adesiva médica, cor de pele, a antena estava quebrada
só tinha um resto de 4 cm para sintonizar alguma coisa, e eu ainda suspeitava, será que aquilo capta alguma coisa por inteiro, ou só capta o equivalente a 4%, (comparação com os seus 4 cm) de tudo o que estiver no ar, seria hipocrita e muito reles ouvir só 4% de uma música ou 4% de uma noticia...
mas, era assim que aquele radio alcatel, sem a letra l no fim e a funcionar a pilhas alcalinas, funcionava
funcionava, mal.
enquanto me deslocava para hammamet
ouvia as orações do islão, era a hora deles, virados para norte ou para sul ? (continuo a não saber)
a emissão foi interrompida, com direito a uns sons de cinema mudo... percebem ?
isso mesmo.
em francês árabe
ouvi...
....bonjour a tout .....le monsieur ....pedo adaaoo....
(hesitei mas, entendi, sou eu, pedro de adão, merda, nem falar sabem...)
continuei a ouvir a radio cartago tunes fm
monsieur pedro adaaaaoo est mort ! merci.
parou tudo depois daquelas palavras, mort.
pensei para mim, eu morri, morto de morto sem volta para viver ?
ontem ? e não me disseram nada ?
fiquei fodido e mandei parar o taxi, paguei 10 dinares e desci perto da medina velha
virei me para o motorista
e disse
....besslema (adeus)
ele nem me respondeu..zangado pelos 800 anos de história de portugal....
morri e sou o último a saber ?
só mesmo neste pais de merda que é a tunisia..
não gostei deste pormenor, saber que morri ontem...
dei três voltas à medina (ruas estreitas, quase impossível de passar uma pessoa obesa)
dei comigo e para mim a sorrir com satisfação, ainda bem que não sou obeso...
mas, continuava irritado com a noticia... mais que isso, estava fodido com o facto de ninguém de lisboa me ter telefonado a avisar, é pá tu morreste ? e de me incentivarem, com palavras de alento e generosas, eras um bom homem, tinhas um feitio irrascivel, mas, com personalidade e vigoroso, vou ter saudades tuas...
resta em paz no teu entulho feito de amizades dizimadas...
e eu agradecia, quem não gosta de ter palavras generosas depois de morrer....
nada, ninguém me ligou de lisboa e nem umas palavras de conforto deste género...
senti-me sozinho, fiquei quieto a ouvir as rezas do alcorão...
sentei-me numa ombreira de porta, típica dos países árabes...
ali fiquei....
no chão sujo, desenhei a dedo uma sequência de palavras...
QUAL O MEU LUGAR EXACTO ?
de dentro da casa de uma tunisina velha, com a cara destapada, mãos destapadas e cabelo mal amanhado
(diferente do visual das burqas utilizadas neste pais)
comecei a ouvir um adagio...
lindo, é a minha marcha funebre.....pensei...
um adagio é um andamento musical lento de uma sinfonia...
o ideal para mim, depois de saber da minha morte
pela radio cartago tunes fm em francês desgraçado
qual adagio ? pensei e atirei para a lama que descansava naquelas pedras seculares da medina velha de hammamet
qual adagio disse eu em voz alta...????
a velha feia, tão feia que os islâmicos mais radicais, permitiam que ela andasse destapada, pois era tão feia que qualquer pessoa olhava para o lado de susto...
ela aproximou-se.... e soletrou entre os únicos dois dentes com pedaços de bolor de cor azulada nos seus cantos junto às gengivas, que ainda lhe restava.
..monsieur c´est un adagio de tchaikovsky, le nom est "patetique"....
podem escutar, clicando no link..........
http://www.mixcloud.com/track/tchaikovsky/symphony-nr6-mv1/
levantei os cornos escondidos entre aquele turbante mal feito confecionado na china que usava
e sorri, isso mesmo , é o "patetico".....tal como eu estou agora.
....chukran (obrigado)
levantei e corri dali para fora.... passei por um velho que me queira vender "artesanato falso da tunisia" por 500 dinares, disposto a baixar para 5 dinares caso eu regateasse.
dei lhe um empurrão e ele gritou e disse me ...rebi, rebi (estúpido, estúpido)
e eu respondi... leh,, leh (não, não) vai te foder, já morri ontem.....
e desatei a rir....ahhhhhhhhhhh......ehhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh.
e ainda tive tempo para pensar
já não tenho que levantar-me às 4 manhã para ir para tunes para o aeroporto de cartago fazer o check in
e procurar a gate certa......
p.s: as palavras em árabe são assim ditas oralmente, mas, escrevem-se de modo diferente, que eu não sei)
5
HOTEL BOSSA NOVA E PRAIA DE ITAPUÃ
há momentos que nós interpretamos no nosso dia
como se fossem cenas preparadas para um "take" de cinema
quarto de hotel
tempo frio, não abre rasgos na pele desprotegida
mas, provoca-lhe arrepios de espasmos
janela de hotel
ninguém se interessa por janelas de hotel
os olhos convergiram para a janela
não era uma janela, aliás as janelas não são apenas janelas
aquilo era uma fotografia
a cena que vem a seguir é cinema
como a descrevo é prosa poética
as artes são a própria vida a pulsar
todos negam e desvalorizam a essência de uma janela
notam-lhe a presença apenas pela sua existência de utilidade
a utilidade de uma janela é ser janela ?
não, não é...
o que observamos aos primeiros instantes está sempre errado
especialmente quando todos observam tudo com o mesmo olhar
os tais padrões estabelecidos e difundidos
para mim, policarpo, seguindo uma perspectiva de poeta
ou melhor, perspectiva de um desenhador de letras que cria sequências de palavras
aquela janela é uma fotografia em exposição permanente naquele quarto de
hotel de duas estrelas sem piano bar
e já agora porque merda todos os hoteis de duas estrelas não tem piano bar ?
aquela janela era uma bela fotografia em exposição
nela tinha uma paisagem
não uma paisagem impressionista de van gogh, de gaugin ou de manet
ou as chamadas paisagens mortas
não, aquela fotografia era uma paisagem mutante
mutante na luz que ia e vinha de acordo com o dia e a noite
aquele quadro era uma enorme máquina fotográfica com uma única possibilidade
de tirar apenas uma foto durante toda a sua vida.
eu policarpo, ela aliniana, estavamos a 1 metro da foto a observar
a fotografia de uma paisagem mutante de um vale e de uma pequena vila rodeada de montes
enquanto isso eu, policarpo, sai longe pela boca
em cima das asas da minha memória
praia de itapuã
salvador da baia
estado da baia
pais, brasil
nessa fuga daquele quarto pela memória
lembrei me da casa de vinicius de morais, transformada em estalagem
em itapuã, praia que viu nascer e brincar ao mar azul e quente
bethania e caetano
zona de bossa, zona de nossa, zona de vossa
de nova, de velha
esta era a nossa conversa
a mística da praia de itapuã, local de bossa nova
enquanto isso
aliniana tocava sem pudor, num misto de assustada e interessada
no meu pénis
e entre a nossa, a vossa, a bossa
tocava com mais intensidade
o que fazia crescer em dureza e em tamanho
mas, a conversa estava inclinada para itapuã
não era para sexo, o pénis talvez quissesse sexo com aliniana, eu não, ela também não
se eu quissesse ela não dizia que não, ela não consegue dizer que não
não consegue soletrar
lembro-me de uma tour para a praia do forte, a norte de salvador e de itapuã
e o dvd com um concerto fantástico de tom jobim, vinicius, elis regina
foi tudo perfeito
naquele momento, naquele quarto de hotel de duas estrelas
defronte aquela janela com postura pomposa de fotografia em exposição permanente
dois destinos se cruzavam
a prova que a intimidade é mais que sexo, a intimidade pode ser música e arte
ela estava espantada com o momento
olhava para o pénis, mexia e mexia com ele
não, não era esse o objectivo
o objectivo era a bossa nova
interessa -me mais o sexo como ponto de partida
de fazer o check in e ir
do que o sexo como chegada, como fim, como desembarque
sexo é viagem, é ir para qualquer lado, saindo de um outro lado qualquer
como acabou este momento ?
como acabam todos os filmes de woody allen ? de almodovar ?
os momentos crús
os momentos com um poeta nú
ela vestida de preta, quis se esforçar para ser sexualmente linda
o decote, no decote reside sempre o perigo
ele provoca-me uma queda, caio dentro
as mulheres, usam o decote como arma de distracção
procuram distrair os homens dos seus defeitos de mulheres inseguras e ansiosas
aquele momento era puro cinema
tinha tudo o que o cinema precisa
poesia, janelas na existência util e aparente
mas, fotografias em exposição permanente
um quarto de hotel de duas estrelas, sem piano bar
uma loira de nome aliniana, problemas sexuais e de estima
um poeta abusado, um poeta viajante
a música, a bossa, a nossa, este momento tem quase tudo
a cena de cinema terminou como num filme
peguei nas calças e vesti-me, regressei da bahia, olhei de novo para fora
ela respondeu que eram 5 da tarde e não tinhamos almoçado
saimos e desliguei a luz !
6
CAEM PASSÁROS MORTOS
estava imobilizado
de tanto medo
sou destemido
não tenho sequer medo de ter medo
perdi
desta vez perdi no jogo
malditas peças pretas e brancas
porque tenho que fazer damas
cruzar e recuar peças
de cores pretas e brancas
estou baralhado
perdi-me
ela, à minha frente sem estar de pernas
cruzadas
já tinha certeza que eu ia perder
e perdi, perdi bem, digo eu
saio, embora vou e partir é o destino a seguir
na vida, para alguns que nunca ganharam
tenho sabor da vitória na boca
mas, nestas pretas e brancas, perdi
aceito
desta vou mesmo embora de partir dali para fora
quatro e cinco da tarde, marcam a maioria dos relógios
naquele exacto momento de tarde inconsciente
o sol estava irritado
ele alternava de intensidade
ora leve ora forte
sem a noção exacta de como brilhar
até o sol está céptico
subi a rua, não liguei às noticias
que lia na rádio, mesmo que saibamos que a rádio não se lê
mas, eu garanto perante todos que eu li a rádio nesse dia
palavra solene de policarpo, homem de rectidão e de aprumo de verdade nas informações relatadas
...caem pássaros mortos vindos do céu....
naquela noticia pareceu -me estranho o pormenor vindos do céu....
se viessem da terra ainda tinha alguma magia
confirmei
caem pássaros mortos vindos do céu
vejo-os mortos e duros pelos passeios
eram mais pequenos que uma mão fechada
e quando caiam faziam ruído de corpo sólido que embate
em pedra limada à unha do calceteiro que também é poeta obsceno
os pássaros pareciam pedras no chão
eu dava-lhes pontapés para os afastar do meu destino traçado em recta nesse dia
escondi-me num telheiro
mesmo ao lado de
uma outra cobertura
o meu lado romântico
procura a beleza
e eu optei então
pelo telheiro
com o beiral à antiga portuguesa
o dono do beiral
era o dono do rei da tasca
a tasca do rei da ginja
que raio de ideia
abrir um estaminé só para servir ginja ???
estranho
a rua foi despojada da sua utilidade principal
teve uma metamorfose em cemitério
de pássaros mortos vindos do céu
pedi um chapéu de chuva
e sai
continuaram a cair pássaros redondos e verdes e amarelos
o piso da rua era tela de muitas cores
elas caiam em mim
como se eu fosse alvo pré-destinado
numa esplanada
reduzida a 1 mesa e 3 cadeiras de plástico
estava um velho alfarrabista
com umas placas penduradas
ao redor desta esplanada nem um pássaro ali morreu
entende-se, não consta que os pássaros
gostem de ler
uma placa dizia... virginia wolfe era uma louca....
viva james joyce (deus me livre de ler as centenas de páginas do ulisses) pensei eu
outra placa
mario sá carneiro e antoine artaud não eram loucos eram reduzidos na paciência
outra frase..
" esta poesia é absolutamente desnecessária"
António Ramos Rosa
ri-me, ri alto, sorri rasgado
ahhhhh, Ramos Rosa, é o meu poeta português preferido
houve um dia que me cruzei na feira do livro de lisboa
quando resolvi ir
estava protegido e bloqueado
por um anel quase redondo
de pequenos e verdes pássaros mortos
que jaziam no chão
sem qualquer cruz que identificasse os cadáveres
dei pontapés e sai dali para fora
sempre com o chapéu de pássaros mortos aberto
segui na rua
um engraxador de sapatos
disse me baixinho
enquanto eu passava por ele
o senhor policarpo sabia que...
a virgina wolfe era maluca, depressiva e lésbica
e não quis publicar o livro do irlandês, James Joyce
por isso o alfarrabista não gosta dela
obrigado, respondi e segui
na verdade não fazia a míníma ideia para onde estava a ir
e o que isso interessa ???